quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Caos A.D - parte II

NO CAPÍTULO ANTERIOR DE CAOS. A.D....

“A personagem Rachel, uma criança de quatro anos, é surpreendida por uma tentativa de assassinato pela vizinha. Enquanto isso, os pais estão em meio a uma discussão violenta no quarto. A menina tenta fugir, mas acaba sendo encurralada pela senhora. Quando está prestes a morrer ocorre um fato inusitado e acaba sendo salva... por um triz a morte não a abraça cedo. Entretanto, ela desmaia e permanece em estado de coma induzido por semanas.”

* * *

Quando voltei a acordar, me sentia atordoada, a visão demasiado turva e em flashes lentos. Não me sentia capaz de mexer os dedos, de tão fraca. Essa sensação perdurou por semanas. Até que, finalmente, recebi alta.

Quando voltei pra casa fui imediatamente para o quarto brincar. Ou, ao menos, tentar. Ainda estava fraca, um turbilhão de coisas estranhas passava por minha cabeça com tanta realidade que parecia ser visível. Em um desses instantes minha mãe irrompeu no quarto, um tanto aflita. Queria dizer algo sério, mas parecia não encontrar uma maneira adequada. A principio disse um bocado de coisas desconexas, enquanto enlaçava os dedos nervosamente. No momento em que atingiu a confiança necessária, eu via o suor escorrendo-lhe pela testa. Ela hesitava, e eu podia ver na sua alma o choro reprimido. E ele era torrencial. “Bem minha filha, tenho que dizer uma coisa... nesse meio tempo em que esteve internada foram feitos alguns diagnósticos referentes a você... e isso significa que está doente”. Permaneci com os olhos ardidos de curiosidade grudados naquela figura atentamente. Fiquei pasma “Mãe, eu vou morrer?”, lembro da inocência ao perguntar, desconhecendo o real significado da palavra ‘morte’. A partir daí ela me pareceu mais confiante, e explicou de maneira adequada o que se passava. Que eu andava muito nervosa e estava vendo coisas, e os desmaios estavam ficando mais sérios a cada dia. Até essa parte não vi nada de anormal, mas essa constante foi quebrada ao ouvir a palavra ‘remédios’. O plural me assustou. De verdade.

Injeções. Era o meu maior medo, mas meus pais diziam ser o necessário injetar aquele purgante nas minhas veias... Aquilo que me fazia dormir, sempre e sempre. Aquilo que me concedia um sono tranqüilo e sem sonhos. Tudo o que meus pais julgavam ser o melhor para mim e para eles, claro. Talvez fosse melhor mesmo, ter uma filha doente, dopada e potencialmente dependente química, do que correr o risco de ter uma filha louca. Vindo dessas criaturas mesquinhas nada me surpreende.



* * *

Se o mundo é regido pelas cordas, então o que segue é um acorde medonho em meio a uma melodia fúnebre...

Dois dias depois do incidente, era o meu aniversário de cinco anos.

Na hora de cantar os parabéns e cortar o bolo, apareceu um menino na fila que eu desconhecia. Ele era ruivo, olhos muito escuros e pele sardenta. O garoto não me disse nada, pegou o pedaço de bolo e sumiu em meio aquele turbilhão de pessoas. Tentei encontrá-lo procurando por todos os lugares possíveis, e, por fim, perguntando a todos, descrevendo. Todos ali eram cientes do meu ‘problema’ e das minhas limitações, então, no máximo, ignoravam as minhas falas. Quanto aos meus pais, perguntaram se eu havia tomado o remédio. Detive-me a esse pensamento pelo restante da festa, chegando a estar distante. Procurei em toda a parte até me convencer que ele não estava ali, que talvez ele realmente não existisse e que meus pais estavam certos. Permaneci quieta, divagando, sentada num canto qualquer longe daquela confusão de gente e fiquei observando, de longe, cada convidado.

Allana, minha melhor amiga, até então, sentou ao meu lado e perguntou se eu estava bem. Apenas, respondi que sim, mas ela continuou querendo me arrancar coisas, possivelmente a mando de algum adulto. Perguntou, novamente, se eu estava bem, já que a mãe dela explicara que eu possuía uma doença séria e que, por isso, deveria ter o máximo de paciência comigo, porque eu vivia em um mundo imaginário, de mentiras, em que predominava o caos. Foi nessa hora que olhei fixamente pra ela e tudo o que sentia desmoronou. Foi quando desisti, pra sempre, de ter amigos, e confiar em alguém.

Após a festa minha mãe me levou para casa enquanto meu pai permanecia no salão ajudando na arrumação.

Retirou a minha roupa temática e prometeu ler uma história antes de dormir. Antes de me deitar, dei uma olhadela para a prateleira de bonecas de porcelana. Em meio à história da Bela e a Fera, adormeci.

Sendo acometida pela insônia, despertei em meio aquela escuridão, aturdida, as pupilas dilatadas de medo. Da janela entreaberta entravam raios de luz da rua, que não iluminavam o quarto em plenitude, pelo contrário, davam forma a monstros horrendos no escuro, lágrimas nos olhos daquelas bonecas...

Em cada sombra eu via uma ameaça sobrenatural (o que quer que isso signifique para uma criança) e o pavor ia se instaurando na minha mente. No centro do quarto eu via três cruzes fincadas (aquelas dos filmes na páscoa), e conseguia ouvir os gemidos do homem pregado, que sucumbia, me pedindo ajuda e me culpando por estar ali daquela forma. Era possível ver a sua cabeça com espinhos fincados, gotejando sangue e suor. Sua lamúria agonizante era terrível. Eu sentia que ele voltaria, um dia, para se vingar de mim, e que a sua mãe, a virgem, deixaria uma imagem no vidro da janela ao amanhecer. Fora isso, tinha um brutal medo do diabo.

A mente pirava com tanto pavor. A garganta seca, e uma brutal sensação de vulnerabilidade suprema. É fato que, se quisessem me aniquilar, o faria muito antes dos meus pais perceberem, mas qual o objetivo de plantar tanto medo em uma simples garotinha? Por que essa garotinha tinha que ser eu?

Ora, as sombras REALMENTE tomavam forma, não era a imaginação simples de uma criança solitária, eles estavam mesmo ali para deixar um recado...

CONTINUA...

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