sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Caos A.D. - parte I

“O que veio do pó ao pó voltará. E ela é a escolhida, nascida na carne e em meio ao caos, terá que perseverar para crescer e ser a rainha do inferno”.

Minha primeira recordação no que concerne a minha infância é de uma sala de estar moderna e impecável no suntuoso apartamento em que morava com os meus pais. Naquela época eu era um esboço do que sou hoje, mas não entendia bem as coisas, obviamente. Era tão recriminada pela minha forma de ser que acabei não aceitando a minha personalidade. Todos os dias antes de dormir eu era obrigada a rezar, e o pedido era algo relacionado a ser diferente. Mais tarde, rezei para que acordasse morta. Quando fazia aniversário, ao apagar as velas o desejo era o mesmo. Queria que o esboço fosse jogado no lixo e o autor criasse algo novo, melhor.
Bom, como eu dizia, estava na sala brincando de barbie quando ouvi a gênese de uma briga vinda do quarto dos meus pais, cuja porta estava fechada. Não ousei bater à porta. A minha primeira reação foi contrair os músculos e me encolher em um canto. Não havia nada a ser feito a não ser aguardar o desenlaçar.

* * *

Nesse instante, a porta principal se abriu com violência e surgiu uma figura que era conhecida, mas estava transtornada. Era a vizinha, Dolores, mas diferente do normal: os cabelos eriçados, de pijama e chinelas, o robe de seda aberto e amassado. Olhei bem e vi que empunhava uma faca enorme, e que bradava em minha direção.
Permaneci estática, como se estivesse grudada naquele carpete, mas consegui gritar. A mulher avançava, seus os olhos vermelhos ardiam de fúria, como se meus gritos a alimentassem. Logo meu pai saiu do quarto para averiguar o que acontecia. Não demorou e minha mãe também veio, mas ele bateu nela antes que pudesse sair. Quando ele se virou, vi que jorrava sangue. Fiquei perplexa e comecei a correr desesperada. A mulher gritou “ELA TEM QUE MORRER” correndo atrás de mim. Fui para o quarto e tranquei a porta ofegante. Sentei em um canto, a cabeça entre os joelhos e comecei a chorar de medo. Ouvi meu pai gritando com a mulher e a colocando para fora. Ouvi também o relutar dela, até ver, em meio às lágrimas algo mais que não conseguia distinguir. Papai chamou e pediu para abrir a porta em voz macia que não era do seu feitio. Quando destranquei a fechadura, ele estava lá, ensangüentado. Saí em disparada para fora do apartamento quando vi minha mãe desacordada na cama deles.

* * *

Quando desci as escadas ela estava lá a minha espreita, a faca tingida de sangue. Antes que eu pudesse descer outro lance de escadas ela impediu a passagem e foi me imprensando contra a parede. Foram momentos de muito terror, estava horrorizada com aquilo tudo. Através da mente implorei que meu pai viesse, mas ele não aparecia.
De súbito a luz apagou. E eu enxerguei vultos na escuridão.

* * *

Despertei no hospital, nua sob aqueles lençóis finos que nos vestem. Olhei pra baixo e vi que a maca era alta demais para mim. Havia soro injetado sobre a minha mão direita por uma
espécie de mangueira. Dei uma boa olhada naquele quarto vazio e voltei a dormir. Isso foi ocorrendo, repetidas vezes, durante semanas...


CONTINUA...

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